Juscelino assumiu a Presidência em 31 de janeiro de 1956. Alguns dias depois, convocava ao Palácio o jurista San Tiago Dantas e os líderes dos partidos do Governo no Congresso, a fim de discutir medidas que levassem à construção imediata da nova Capital.

Dessa reunião resultou projeto de lei, encaminhado ao Legislativo através da "Mensagem de Anápolis" (Mensagem 1234) , datada de 18 de abril de 1956, criando a Novacap (Companhia Urbanizadora da Nova Capital Federal) e autorizando o Poder Executivo a praticar todos os atos necessários ao cumprimento do dispositivo constitucional que ordenava a transferência da Capital para a região central do país.

A tramitação do projeto, apesar de todos os empenhos, não correu com a celeridade que se desejava tendo em conta a urgência de começar as obras. Do envio da Mensagem à sanção presidencial da lei, na noite de 19 de setembro de 1956, passaram-se exatamente cinco meses. Mas durante esse tempo muita coisa foi feita.

Recebido por Juscelino no dia 4 de fevereiro, o Marechal José Pessoa, confirmado na presidência da "Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal", decidiu, em fins de maio, afastar-se do cargo, sendo substituído por Ernesto Silva, seu Secretário. No curto período em que presidiu a Comissão, apenas três meses, Ernesto Silva pode executar duas importantes tarefas: a demarcação das divisas do futuro Distrito Federal e a elaboração do Edital do Concurso do Plano Piloto.

Na primeira, contou com o firme apoio do governo de Goiás, que financiou as despesas de demarcação; na segunda, de que também participou Israel Pinheiro, valeu-se da assessoria dos arquitetos Oscar Niemeyer, Raul Pena Firme e Roberto Lacombe.

O Edital do Concurso, encaminhado à Imprensa Nacional poucas horas antes da sanção da Lei 2.874, em 19 de setembro, foi publicado no Diário Oficial da União no dia 20 e nos principais jornais do país no dia 30.

Sancionada a lei no dia 19, três dias depois, em sessão pública, iniciada às dez horas da manhã e encerrada duas horas mais tarde, na sede da "Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal", no Rio de Janeiro, era constituída a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil — Novacap. O Presidente Juscelino, por Decreto assinado no dia 24, extinguiu a "Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal" e por outro Decreto, da mesma data, aprovou a constituição da Novacap e seu Estatuto.

No dia 25 nomeou os três primeiros Diretores da Companhia.

O primeiro cuidado de Israel Pinheiro, depois de nomeado Presidente da Novacap, foi o de convocar, no começo de outubro, ampla reunião para esclarecimento de alguns pontos do Edital do Concurso, que estavam a provocar dúvidas e preocupação nos meios técnicos interessados, vale dizer, no seio das classes dos engenheiros, arquitetos e urbanistas brasileiros.

Na sede do PSD, no Rio, que oferecia condições de acolher plenário numeroso, presidiu encontro a que estiveram presentes Diretores do Instituto dos Arquitetos do Brasil e do Instituto de Arquitetos de São Paulo, Conselheiros dessas instituições e associados em geral, além dos recém nomeados Diretores da Novacap Bernardo Sayão e Ernesto Silva, bem como Oscar Niemeyer, já convidado por Juscelino para criar os projetos dos edifícios públicos e responder pela supervisão da parte arquitetônica da nova Capital.

A preocupação maior dos presentes prendia-se à possibilidade da participação, no Concurso, de profissionais estrangeiros. O Edital não era claro. No artigo 1° estabelecia duas condições: que as pessoas físicas ou jurídicas interessadas fossem "domiciliadas no país" e "regularmente habilitadas para o exercício da engenharia, da arquitetura e do urbanismo". No artigo 5° acrescentava mais uma condição: que os interessados estivessem "registrados no Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura". Redigido como estava, o Edital parecia não excluir a participação de estrangeiros. Israel assegurou a todos que o Governo decidira prestigiar, ao máximo, os profissionais brasileiros, únicos que poderiam concorrer. E contou que ao ser levado o problema ao Presidente Juscelino, durante a elaboração do edital, ele afastara qualquer possibilidade de participação de urbanistas estrangeiros no concurso, afirmando: "prefiro a prata da casa".

Entre outras razões por se preocupar em que a nova Capital apresentasse características essencialmente brasileiras. Israel ali se encontrava exatamente para tranqüilizar a todos e reafirmar que o pensamento deles coincidia com o dos dirigentes da Novacap. Atentassem para a introdução do Edital que dizia, restritivamente, "concurso nacional".

Na realidade Juscelino chegara a pensar em promover um concurso internacional. Mas se convencera dos seus inconvenientes e passara a apoiar, firmemente, a opção nacional, advogada pela comissão que elaborava o edital. Disso não teve por que se arrepender, conforme declarou, posteriormente, em várias oportunidades.

O plenário estava lotado e diversos arquitetos externaram seus pontos de vista a respeito do Edital. De um modo geral coincidiam nas restrições às normas estabelecidas para apresentação dos projetos; pediam, por outro lado, garantia de execução do projeto vitorioso e argumentavam, ainda, que os futuros edifícios públicos não deviam ser excluídos do concurso mas, ao contrário, impunha-se que fossem projetados pelo seu vencedor.

Insistiam, por último, em que o prazo para apresentação dos trabalhos era curto demais.

A objeção maior quanto às condições de apresentação dos projetos prendia-se à redação do artigo 4°. Esse artigo não obrigava a que todos juntassem "os elementos comprobatórios das razões fundamentais" dos seus projetos, deixando a cada concorrente a liberdade de fazê-lo ou não.

Argumentavam que isso poderia levar a dificuldades na hora do julgamento. Assim, na redação do artigo, o opcional, "poderão apresentar", devia ser substituído pelo compulsório, "deverão apresentar".

Israel explicou que o fundamental do concurso estava expresso no artigo 3°. Os concorrentes apresentariam um "plano-piloto" para a nova cidade, com seu "traçado básico", juntando ao projeto "relatório justificativo". O mais que cada um quisesse juntar, conforme facultava o artigo 4°, atenderia a um possível desenvolvimento do projeto, se vitorioso.

Tornar obrigatória a apresentação de todos os elementos indicados nos oito itens desse artigo, implicaria em afastar do concurso os jovens arquitetos, não vinculados a empresas e a grupos altamente especializados, que dispunham de grande suporte técnico e financeiro. Era pensamento do Governo receber o maior número possível de sugestões. A idéia de um jovem profissional, isolada, certamente não iria representar empecilho à vitória dos que trabalhavam com equipes. O júri, a ser constituído em sua maioria por arquitetos, inclusive alguns estrangeiros de renome mundial, saberia distinguir um projeto completo de uma simples sugestão. Mas ao Governo parecia conveniente examinar todas as idéias que pudessem surgir, revestidas ou não de roupagens e adereços.

O futuro iria mostrar, surpreendentemente, quão certo estava o Governo em não criar embaraços àqueles que pudessem ter uma boa sugestão e quisessem apresentá-la, e quão equivocado fora o entendimento de Israel, naquele dia, julgando que um projeto completo, só por isto, pudesse valer mais que uma boa idéia.

Como todos sabem, o projeto vencedor, apresentado não por um jovem profissional, mas assinado por um Mestre, não foi muito além de um esboço, acompanhado de relatório magistral. Com humildade Lúcio Costa, seu autor, assim se justificava:

"Desejo inicialmente desculpar-me perante a direção da Companhia Urbanizadora e a Comissão Julgadora do Concurso pela apresentação sumária do partido aqui sugerido para a Nova Capital, e também justificar-me.

Não pretendia competir e, na verdade, não concorro, - apenas me desvencilho de uma solução possível, que não foi procurada mas surgiu, por assim dizer, já pronta. Compareço, não como técnico devidamente aparelhado, pois nem sequer disponho de escritório, mas como simples maquis no desenvolvimento da idéia apresentada se não eventualmente na qualidade de mero consultor. E se procedo assim candidamente é porque me amparo num raciocínio igualmente simplório: se a sugestão é válida, estes dados, conquanto sumários na sua aparência, já serão suficientes, pois revelarão que, apesar da espontaneidade original, ela foi, depois, intensamente pensada e resolvida; se não o é, a exclusão se fará mais facilmente, e não terei perdido o meu tempo nem tomado o tempo de ninguém."

Os debates se acenderam quando foi levantada a questão de o Edital não assegurar ao vencedor a execução do projeto. Na verdade o Edital dizia que os trabalhos premiados passariam à propriedade da Novacap que deles poderia fazer o uso que mais conveniente lhe parecesse.

O arquiteto Maurício Roberto causticamente lembrou que em concursos de tal natureza quase sempre os vitoriosos são preteridos.

Israel rebateu a insinuação armando que não permitiria, na qualidade de Presidente da Novacap, qualquer chicana ou desvio nos procedimentos do Concurso, em todas as suas fases. O vencedor seria normalmente proclamado. Só isto já bastaria para imortalizá-lo. E quanto à execução do projeto, seu desenvolvimento e implantação ficariam, naturalmente, dependendo de entendimento entre o vitorioso e a Companhia, o que constituía matéria que extrapolava os limites do concurso. Mas não lhe parecia que pudesse vir a ocorrer qualquer dificuldade nesses entendimentos, pois as exigências do vitorioso seguramente não buscariam inviabilizar o acordo, dado que o interesse dele próprio seria ver tornadas realidades as idéias expostas no projeto

Quanto aos edifícios públicos, a não ser o Palácio do Governo, os Ministérios e o Congresso, cujos projetos talvez pudessem ser atribuídos ao vencedor, não via como incluí-los no Concurso, pois era evidente que as Autarquias, o Banco do Brasil, e outros, chamariam a si a responsabilidade de construir seus próprios prédios, segundo suas conveniências. No caso de desistirem da tarefa, entregando à Novacap a incumbência, aí sim, se poderia examinar a alternativa de encarregar o vencedor do concurso de projetar tais edifícios e construí-los.

Com relação ao prazo de 120 dias para apresentação dos trabalhos, considerado exíguo, mostrou a impossibilidade de dilatá-lo. O Presidente da República estava empenhado em dar início, com a maior urgência possível, às obras da nova Capital. Nesse ponto não podia transigir e pedia que os arquitetos, engenheiros e urbanistas compreendessem a posição e o interesse do Governo.

Concordava, entretanto, em prorrogar o prazo de inscrição, que o Edital fixava em apenas 15 dias.

Nesse sentido, por carta datada de 16 de outubro, dirigida ao arquiteto Ary Garcia Roza, presidente do IAB, comunicou a extensão do prazo de inscrição até 11 de março de 1957, data limite para a própria apresentação dos projetos. A carta recebeu ampla divulgação por parte da imprensa, para que todos os interessados tomassem conhecimento do novo prazo.

Após essa reunião, entrou-se no período de inscrições. Mais de 60 candidatos, profissionais isolados e equipes, se inscreveram; contudo, apenas 26 apresentaram seus projetos dentro do prazo estipulado.

Não havia tempo a perder, por isto os projetos, desenhos e maquetes, foram dispostos em painéis e mesas no Salão de Exposições do Ministério da Educação e Cultura, de forma a facilitar seu exame pelos membros da Comissão Julgadora, e já no dia imediato ao encerramento do prazo, mais precisamente na tarde do dia 12 de março de 1957, naquele salão do MEC, instalou-se oficialmente, sob a presidência de Israel, a Comissão Julgadora, composta dos seguintes membros: Sir William Holford, professor de urbanismo da Universidade de Londres; André Sive, professor de urbanismo em Paris; Stamo Papadaki, arquiteto e professor na Universidade de Nova Iorque; arquiteto Paulo Antunes Ribeiro, representante do Instituto dos Arquitetos do Brasil; engenheiro Luiz Hildebrando Horta Barbosa, representante do Clube de Engenharia e o arquiteto Oscar Niemeyer Filho, a essa altura chefe do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Novacap.

Sir William Holford propôs que se fizesse uma pré-seleção dos trabalhos apresentados, de modo a separar os dez melhores, que então mereceriam estudo mais apurado.

Manifestou-se contrário à proposta o Dr. Paulo Antunes Ribeiro. Na sua opinião todos os projetos deveriam merecer esse estudo mais apurado. O professor André Sive permitiu-se interferir para informar que tendo recebido e arrumado os trabalhos expostos, sabia que alguns deles não resistiriam a um simples exame. Buscando evitar um impasse logo assim no início dos trabalhos, Israel submeteu à Comissão um substitutivo à proposta de Sir William Holford: a pré-seleção se faria, mas por unanimidade. Os dez melhores projetos teriam que ser indicados sem discrepância de um único voto.

A escolha dos dez melhores projetos se fez logo a seguir, por unanimidade. Seguiram-se dias de atividade intensa. Os trabalhos desenvolveram-se com muita liberdade e harmonia, cada membro da Comissão examinando, individualmente, os dez projetos, discutindo suas impressões com os companheiros, sedimentando seu próprio julgamento. E já na noite do dia 16 se chegava a uma decisão.

Nessa noite a Comissão voltou a se reunir. Oscar Niemeyer fez uma relato das atividades do júri dia a dia desde sua instalação. Ao final da exposição, informou Israel a todos que os três arquitetos estrangeiros haviam chegado a um entendimento comum quanto aos projetos apresentados e tinham emitido um parecer sobre os mesmos, com a classificação que lhes parecia justa, conforme relatório que passaria a ler, para exame e discussão.

Ao término da leitura, Dr. Paulo Antunes Ribeiro, antecipando-se à discussão, propôs que não se adotasse nenhum critério classificatório dos projetos, mas que todos, inclusive mais um que lhe parecia merecer estar junto dos dez melhores, fossem declarados vitoriosos, constituindo-se "uma equipe vencedora do concurso, organizando-se desta forma uma grande Comissão, encarregada de desenvolver o plano de Brasília".

Submeteu-se a proposta à Comissão. Todos foram contra: o Dr. Horta Barbosa por entender que não podia equiparar os dez projetos, já que não tinham o mesmo nível; Sir William por não compreender o sentido da proposta, pois se tratava de escolher um plano para a construção da Capital de um grande país e o mundo inteiro estaria curioso por examinar, comentar e criticar esse plano e não haveria de entender a escolha e a fusão de dez ou onze planos. "Como técnico e com a responsabilidade de seu nome, teria que dar sua opinião sobre os trabalhos, pelo que votava contra a proposta e a favor da classificação". Papapadaki entendia da mesma forma, acrescentando que alguns dos projetos eram até contraditórios entre si.

Niemeyer votou também pela classificação. O Relatório foi então submetido a exame e discussão e finalmente aprovado, transformando-se, com isto, no relatório da própria Comissão.

Discordando dos critérios de julgamento, o Dr. Paulo Antunes Ribeiro desligou-se da Comissão. Representava ele o Instituto de Arquitetos do Brasil, cujo presidente, Ary Garcia Roza, lhe deu integral apoio na atitude, e antes mesmo da divulgação do resultado do Concurso a imprensa publicava entrevista de Antunes Ribeiro acusando a Comissão de haver realizado seus trabalhos com açodamento, injustificável em competição de tal magnitude.

O posicionamento do IAB e as declarações do seu representante muito serviram aos opositores de Brasília. A solução foi acrescentar à decisão da Comissão o voto, em separado, do Dr. Antunes Ribeiro, para que todos pudessem formar seu próprio juízo.

Nesse voto, o Dr. Antunes Ribeiro apresentava os motivos de sua discordância, basicamente resumidos em dois: “o tempo recorde” em que o julgamento se processara e seu entendimento de que o objetivo do Concurso, “em virtude dos dados arbitrários fornecidos”, só poderia ser o de escolher uma “equipe de real valor e alto padrão técnico, que demonstrasse sua capacidade para desenvolver o projeto da nova Capital”.

Preocupado com as distorções de julgamento que a atitude do Dr. Antunes Ribeiro pudesse provocar nos espíritos menos avisados, Israel julgou conveniente formular por escrito a Sir William Holford, por todos considerado um dos maiores urbanistas do mundo, algumas perguntas incisivas sobre os critérios que haviam norteado os trabalhos da Comissão. Encaminhou-lhe as perguntas em 18 de março de 1957, dois dias, portanto, após a proclamação dos resultados do Concurso, e ele as respondeu, de próprio punho, no mesmo dia.

Inicialmente desejava-se saber como era possível julgar uma competição daquela envergadura em apenas alguns dias. E qual a experiência de Holford em tarefas dessa natureza.

Holford respondeu que o concurso ele o entendera como “de idéias, não de detalhes”. Por isto mesmo o Edital exigia “somente um esboço do projeto (um “plano-piloto”) e um memorial ilustrativo das idéias do concorrente”. Assim, o júri teria de aproveitar, como o fez, “a idéia que lhe parecesse oferecer a melhor e mais criativa base para a cidade-capital a ser construída”. E esclarecia que “uma idéia, cheia de imaginação, para uma cidade, deve ter unidade, não pode ser, meramente, um ajuntamento de pequenos projetos num mapa do local”. Sir William lembrou, ainda, conceito que muitas vezes, em tais ocasiões, é esquecido:

“Todos os grandes planos são, fundamentalmente, simples. Podem ser compreendidos à primeira vista, não somente por arquitetos, mas por todos. Desde que são concebidos, tornam-se inevitáveis, e todos dizem: naturalmente! Por que eu não pensei nisto?” Veja-se, por exemplo, a Praça de São Pedro, em Roma, ou o projeto de Miguelângelo para o Capitólio, ou o plano da cidade elaborado ao tempo do Papa Xisto V; ou veja-se o aspecto central de Washington, contemplado do topo do Monumento; ou o projeto de Wren para a cidade de Londres (1666); ou o plano de Corbusier para St. Dié. Todos eles, como projetos ou como obras executadas, podem ser entendidos imediatamente. E quanto mais a gente os estuda, mais se gosta deles.”

E voltando a enfocar o aspecto que lhe parecera fundamental no concurso:

“Uma idéia que não se possa transmitir, não tem nenhum valor”. Em contrapartida, “uma idéia que seja capaz de provocar uma cadeia de idéias subseqüentes é a coisa mais valiosa da civilização. E isto é o que o júri tinha de encontrar no concurso do “plano-piloto”. Para achá-lo foram necessários cinco dias de trabalho intenso; ter-se-ia podido fazê-lo em menos tempo, se não fosse a necessidade de ler os relatórios de cada plano, alguns vazados só em português, exigindo versão, outros, felizmente para mim, escrito também em inglês. Os projetos, em si, eram fáceis de entender e o nível de sua apresentação bem elevado.”

Abordando a questão de sua experiência em tarefas daquela natureza, Sir William esclarecia:

“Quanto à experiência que pessoalmente possuo em assuntos de tal monta, devo dizer que venho julgando projetos e relatórios há mais de 20 anos — desde minha nomeação para o cargo de Professor de Planejamento Urbano, em 1935. Sou consultor e assistente do Ministério de Habitações e Planejamento, inglês, e do Escritório Britânico para as Colônias, bem como consultor das municipalidades de Londres, de Cambridge e da nova cidade de Corby. Planejei e dirigi o projeto de desenvolvimento das Universidades de Liverpool e Exeter. Por solicitação do Governo australiano, fui autor de um plano para o Desenvolvimento dos Recursos Regionais da Austrália e da Tasmânia. Fui membro do Conselho Municipal de Pretória (África do Sul) e do Governo Sul Africano nos trabalhos de planejamento da Capital Administrativa daquele país. E já por 12 anos Membro da Real Comissão que está encarregada de aprovar todos os projetos de interesse público na Inglaterra e em Wales, que são considerados de importância nacional. Posso dizer, assim, que tenho larga experiência no estudo e no julgamento de planos e projetos".

Holford não disse, mas poderia ter dito, que seu projeto para a reconstrução dos arredores da Catedral de São Paulo, em Londres, causara sensação nos meios profissionais e artísticos europeus, e, ainda, que chefiava na capital inglesa quatro grandes escritórios de arquitetura e urbanismo. À época de sua estada no Brasil encontrava-se empenhado no planejamento de uma nova Capital para a Federação, que se formava, dos Estados Africanos, reunindo a Rodésia do Sul, a Rodésia do Norte e a Niasalândia.

Na segunda pergunta indagava-se a sir William por que considerava o projeto de Lúcio Costa o melhor. Deixando de lado seu comedimento natural e a prudente sobriedade britânica, o famoso urbanista inglês extravasou, em palavras consagradoras, toda a impressão que lhe causara o plano do arquiteto brasileiro:

“É a melhor idéia para uma cidade-capital unificada, e uma das contribuições mais interessantes e mais significativas feitas em nosso século à teoria do urbanismo moderno.

É verdade que foi apresentada sob a forma de esboço, mas mostra o que é necessário saber, e o relatório não contém uma só palavra destituída de propósito. É uma obra prima de concepção criativa, podendo ser desenvolvida passo a passo, à medida que o programa de infra-estrutura e o social sejam expandidos. Representa o núcleo que vai criar uma reação em cadeia na obra a ser executada sobre o campo de operações em Brasília. É simples, prático e fácil de entender. Dois terços da população viverão em quadras ou unidades urbanas envoltas por faixas arborizadas. Há uma disciplina urbana geral e ordem na disposição. As quadras podem ser construídas separadamente, e se algumas forem deixadas vazias, nos primeiros anos da cidade, ainda assim não parecerão um deserto. Cada setor da cidade tem seu lugar certo e um setor leva naturalmente, e de maneira muito imaginativa, ao setor seguinte. Eu diria, em resumo, que esse projeto evidencia uma grande experiência e uma concepção arquitetural que se projeta no futuro”.

Ocorreu ao Dr. Israel indagar de Holford por que não premiar todos os projetos apresentados, ou pelo menos os 10 melhores, de modo a que seus autores pudessem colaborar, através de conselhos e sugestões, com a Novacap.

Ele explicou que não faria sentido realizar-se um Concurso para depois premiar todos os competidores, de qualidades e conhecimentos técnicos os mais diversos. Naturalmente devia-se presumir que os membros do júri haviam sido escolhidos exatamente para eleger as melhores idéias. Na verdade o júri havia recebido tal missão. “Negligenciar o seu dever só levaria à confusão, porque não se poderia esperar que os concorrentes, trabalhando em conjunto, chegassem a qualquer acordo, exceto naquilo em que já pensassem do mesmo modo”.

Os esclarecimentos de William Holford pareceram perfeitos, conclusivos. E na verdade o “plano-piloto” de Lúcio Costa, transposto do papel para o terreno, viria a confirmar, na prática, não só o acerto de sua escolha mas a genialidade de sua concepção.

Alguns anos depois Niemeyer, escrevendo sobre sua experiência de Brasília, depôs assim a propósito do Concurso:
“Dos primeiros tempos confesso guardar ainda uma certa amargura. Foram os dias dedicados ao Plano Piloto de Brasília, solução que teve meu total apoio, levando-me, mesmo, a recusar o convite feito antes por Juscelino Kubitschek para elaborar aquele projeto e a aceitar, apenas, os prédios governamentais. Embora honestamente realizado, o resultado do concurso desgostou a alguns, pois representava obra por demais importante, provocando a paixão com que muitos se deixaram marcar. Ainda me vêm à lembrança certos incidentes, certas passagens que me fizeram descrer de muita coisa.

Pela primeira vez senti como é forte a luta profissional e como a muitos domina, fazendo-os desprezar amizades e compromissos, em função exclusiva de uma ambição profissional ilimitada. Mas senti, também, que a estes faltava uma concepção mais realista da vida, que os situasse dentro da fragilidade das coisas, tornando-os mais simples, humanos e desprendidos. Não sou dos que só vêem o lado negativo dos homens; em tudo encontramos uma parcela favorável e positiva, e isso me permitiu compreendê-los sem ressentimentos" (revista "Brasília", n° 43, julho 1960).