A propósito do sonho de D. Bosco vale a pena relembrar como foi ele trazido à tona. Quem primeiro, no Brasil, teria mencionado o sonho, diz-se ter sido Monteiro Lobato, em sua luta pela prospecção do petróleo no país. - Até um santo já afirmou que o petróleo existe, só nossos "técnicos" dizem que não - fora o desabafo do escritor-empresário.

No sonho, D. Bosco se vira percorrendo toda a América do Sul, de um extremo a outro, tendo um anjo como guia. Atravessaram florestas e pantanais, transpuseram rios caudalosos, percorreram pradarias e planícies. Os olhos de D. Bosco "tinham uma potência visual maravilhosa, não encontrando obstáculos que os detivessem".

Enxergavam nas entranhas das montanhas e no subsolo das planícies e viam riquezas incomparáveis, filões de metais preciosos, minas inexauríveis de carvão, depósitos de petróleo tão abundantes como não se havia encontrado até então em qualquer outro lugar.

A referência, no sonho, a petróleo e a pantanais, mexeu com Monteiro Lobato, que defendia exatamente (e com paixão) a existência do ouro negro no pantanal matogrossense.

Muitos anos depois, quando o governador de Goiás José (Juca) Ludovico, incumbiu Segismundo Mello de preparar um livrinho que reunisse os pronunciamentos de todas as personalidades que defendessem a localização da futura Capital no planalto goiano, Segismundo, que, por sinal, desconhecia o episódio de Monteiro Lobato, lembrou-se de procurar Alfredo Nasser, importante homem público goiano, que havia escrito um artigo defendendo a mudança da Capital para Goiás e utilizara o sonho-visão de D. Bosco como reforço de argumentação.

Aconteceu, então, um fato curioso: a publicação era bem antiga e Nasser não se recordava dela e muito menos de haver mencionado o sonho que ele, surpreendentemente, confessou nem se lembrar onde buscara.

Segismundo recorreu ao seu cunhado Germano Roriz, grande amigo dos salesianos, e, por intermédio dele, obteve do padre Cleto Calimar uma cópia do sonho com sua tradução para o português.

Ao ler a tradução, Segismundo se decepcionou um pouco. O que havia, no sonho, que talvez dissesse respeito à construção da Capital no Planalto, resumia-se a um trecho não muito explícito:

Tra il grado 15 e il 20 grado vi era uno seno assai lungo e assai largo che partiva da un punto ove formavasi un lago. Allora una voce disse repetutamente: - Quando se verrano a scavare le minere nascoste in mezzo a questi monti, apparirá qui la terra promessa fluente latte e miele. Sará una ricchezza inconcepíbile.”

"Entre os graus 15 e 20, aí havia uma enseada bastante extensa e bastante larga, que partia de um ponto onde se formava um lago. Nesse momento disse uma voz repetidamente: - Quando se vierem a escavar as minas escondidas em meio a estes montes, aparecerá aqui a terra prometida, onde correrá leite e mel. Será uma riqueza inconcebível.”

Conta Pe. Cleto que Segismundo Mello, depois de ler, lhe perguntou:
- Padre Cleto, aqui não está bem sintetizado o problema da futura Capital. D. Bosco se refere a riquezas incalculáveis e à formação de um lago. O senhor não poderia dar um jeito para que a visão tivesse mais um sentido de cidade, de civilização?

Segundo o sacerdote, sua resposta foi a de que talvez pudesse fazer alguma coisa, mas correriam por conta e risco de Segismundo as conseqüências...

Antes da impressão do livro, Segismundo teve tempo de refletir e decidiu que o texto do sonho seria reproduzido de acordo com o original, a fim de resistir a qualquer confronto; mas o livrinho publicaria uma foto de D. Bosco e na legenda, então, se diria algo mais... E assim foi feito. Na legenda se escreveu o seguinte:
"São João Bosco, que profetizou uma civilização, no interior do Brasil, de impressionar o mundo, à altura do paralelo 15°, onde se localizará a nova Capital Federal".

Essa expressão, "uma civilização de impressionar o mundo", que não consta do sonho nem foi usada por D. Bosco hora nenhuma, acabou por se transformar na síntese "oficial" do sonho-visão, a ela se reportando expressamente, com pequenas variações, todos quantos ao sonho já se referiram, ligando-o à construção de Brasília.

E foi por esta forma que puderam os goianos, espertamente, alcançar seu objetivo de vincular o santo à tese de se erguer em Goiás a nova Capital do país.